quinta-feira, maio 26, 2011

Prelúdio

Entre arranhões e tombos a sério, também caio. Fracasso como quaquer comum mortal e sou a maior inimiga de mim mesma, das paredes do meu quarto fecho as janelas e tranco as portas. Choro até ver o mundo em três dimensões, no intermediar do baço e opaco das lágrimas, como se precisasse de aumentar mais cinco diopetrias em cada lente. Sou pior que uma catadupa e vejo o mundo tão tolhido que volto a ser a minha maior inimiga. Amarro-me a tudo o que receio tentar e deixo-me ficar em nós, se for preciso, até o dia seguinte. Parece-me sempre mais fácil afastar o mundo de mim, muito mais do que me afastar do mundo, recolher-me ao meu invólucro de um cérebro condenado a estragar tudo o que vem cá de dentro de livre vontade. Remato conversas com os nervos à flor da pele, grito e sou perita em perder a razão, volto a ver o mundo baço e opaco e as quedas vão subindo do R/c para um quinto andar. Pior do que falhar, bem pior que assumir que falho, é virar-me as costas, adormecer só porque estou muito cansada de pensar que tudo em que toco desfaz-se. Também acontece.

Mas quando acordo sou feita de esperança, o meu coração alimenta-se de boa energia e o meu motor de arranque é sempre o meu lado mais bonito. Porque também o tenho. O melhor que faço. Porque também faço e bem.
Movo-me de fé, às vezes adormeço em objectivos fáceis, tenho um lado profundamente assustador e vivo encarcerada nos meus próprios pecados não me perdoando sempre em primeiro lugar, mas aí surge o branco em cima do preto, o metade cheio mais que metade vazio e uma outra impressão sobre mim mesma. Permito-me ao dia-a-dia e às tantas coisas boas que fazem parte dele.
Começo por me lembrar da primeira cassete que ouvi, do primeiro livro que li, da primeira vez que rachei a cabeça, dos meus primeiros patins, do meu primeiro tombo, da primeira perna partida, do primeiro banho-de-chuva, das primeiras borboletas no estômago, da primeira coisa que ensinei à minha irmã e a primeira que aprendi, da primeira vez que menti porque comi as bolachas que não devia, das primeiras gomas que roubei do super-mercado, da primeira vez que fugi porque fiz asneiras (e foram tantas!...), da primeira performance em frente ao espelho de escova de cabelo na mão, do primeiro amigo imaginário, da primeira vez que ganhei uma medalha, o meu primeiro beijo e o primeiro amor, também do primeiro "desamor", ainda mais do meu amor, do primeiro concerto, da primeira vez que subi ao lugar mais alto do pódium, do primeiro instrumento que toquei, da primeira língua estrangeira que aprendi, da primeira carta, da primeira Barbie, do primeiro Lego, da primeira melhor amiga e da minha melhor amiga também, da primeira viagem de avião, da primeira viagem por minha conta, da primeira vergonha, do primeiro orgulho, da primeira máquina fotográfica, do primeiro filme em que chorei, de todas as primeiras memórias, das boas e das más, do primeiro dia de escola, do primeiro de faculdade, do primeiro elogio e do primeiro insulto também, do primeiro mergulho, das primeiras flores, da primeira vitória e da primeira derrota, da primeira vez que conduzi, da primeira que estive em palco, da primeira apresentação, do primeiro exame, a primeira negativa e a primeira melhor nota, o primeiro abraço e a primeira despedida, das lágrimas e das gargalhadas, a primeira desilusão e a primeira surpresa, da primeira discussão e da primeira reconciliação, dos primeiros conselhos e o meu primeiro castigo, da primeira perda e da última também, do café com leite da avó e os inúmeros lanches com o avô, do colo do pai e o amor tão grande da mãe, da linha ténue que nos mata ou nos salva, que nos torna em (des)cargas emocionais capazes de mover o mundo com um só dedinho.

O meu coração é inchado de tanto e tanto do bom. Das minhas recordações e da minha ainda juventude fiz do bem e do mal, fui de guerra e de paz, tropecei, caí e dei com a cabeça no chão, parti, fiz entorces, berrei, atirei os mais diferentes tipos de objectos aos mais diferentes sítios, até pessoas!, ofendi e fui ofendida, perdoei e fui perdoada. E foi aí que percebi que a infâmia não é um ultraje à nossa dignidade, que a penitência não nos torna mais fortes, tão pouco mais examplares, recomeçar não é para os fracos, errar não nos torna medíocres, a admiração é uma conquista e o desdém alheio também nos dá mérito, que, e já diz a música "sei que posso fazer tudo mas nem tudo me convém, tenho liberdade p'ra viver a minha vida mal ou bem"!

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