segunda-feira, dezembro 14, 2009

Sem pedir licença

É impossível afastar o frio tatuado pelo corpo. Comprar calças dois números abaixo e mudar de vida. Procurar o adesivo, fechar a boca, controlar o martelar dos dedos que nada fazem, nada resolvem, apenas desbobinam e a vida continua a mesma. Mas é impossível não praguejar aos quatro ventos o infortúnio daquele dia, do momento que antecedera todos os outros, aquele onde nada devia ter começado. É impossível não desejar voltar atrás, mudar de rua, de país, ou até de planeta, num desejo incessante de não ter nunca partilhado o mesmo ar. É impossível. Não sentir o enjoo matinal de quando se olha para trás e a náusea constante de quando se olham todos os dias. Aquelas cinco horas no meio de tantas vinte e quatro, onde as paredes foram ruindo e o coração também. Sem um pingo de decência, por mais que ela estivesse lá, escorrera por entre os dedos, assim fácil no encaixar das peças. Um puzzle sem jeito onde desejara ver o seu rosto, mas nem o seu nome julgava mais ter sido pronunciado. Um esculpir de remorsos pela entrega diária, um duvidar para sempre de alguma paixão, uma certeza soberana de ter mudado de nome como quem muda de calças, de já não ser seu por nunca ter sido sua. O sabor amargo da troca em menos de dois segundos carimbado pela traição de quem lhe roubara o mais leal que havia em si.
É impossível não lembrar da alma vendida e não há direito a troca. Do desdobrar em mil do corpo tépido, cansado, já quase imóvel, mas sempre lá, para ele, numa entrega mais que inteira, num suspiro mais que eterno, numa conquista, hoje, em vão. É impossível não amaldiçoar os anos, não rogar pragas aos deuses, não encher a almofada de água salgada, não te expulsar de casa, para não dizer do mais pequeno dos meus poros.
É. É triste, as linhas que ficam no fim, como recordar do que nunca mais se vai querer lembrar, a procura pelas ruas de outro nome que não aquele, maldito ensurdecedor que não deixa dormir.
É feliz?! Não. Não há quem lhe limpe as migalhas da porta que ficou aberta quando entrou para desarrumar o sofá.

4 comentários:

joana vasconcelos disse...

adorei amiga =')

CuiShLe disse...

coisas sempre magnificas que escreves, encontro-me tanto nas tuas palavras *

.diana.alves. disse...

Tenho saudades de ter tempo livre para me deleitar com tudo aquilo que escreves, minha querida, de verdade. Mas o que também é verdade, é que sempre que por aqui passo, sinto o coração palpitar de tanta alma que depositas em cada palavra que aqui deixas:') Lindo, como sempre:') Um beijinho grande*

ritarst disse...

já ha muito tempo que não vinha aqui, vou ler tudo o que deixei atrasar :)